sexta-feira, 19 de março de 2010

Gilberto Freyre


As mangueiras
o telhado velho
o pátio branco
as sombras da tarde cansada
até o fantasma da judia rica
tudo esta à espera do romance começado

um dia sobre os tijolos soltos
a cadeira de balanço será o principal ruído
as mangueiras
o telhado
o pátio
as sombras
o fantasma da moça
tudo ouvirá em silêncio o ruído pequeno."



Gilberto Freyre começou sua vida sob aplausos. Nascido no Recife, em 1900, foi alfabetizado na língua inglesa, para depois aprender o Português. “As Viagens de Gulliver”, do irlandês Jonathan Swift, foi o primeiro livro que leu, naturalmente na versão original inglesa. Seu pai, juiz de Direito e professor, se encarregou de ensinar-lhe o Latim, e Freyre começou a ler autores clássicos no original, como Ovídio, Virgílio e Horácio. O aprendizado do Francês e do Espanhol veio na adolescência, seguido da leitura dos grandes autores desses idiomas, sempre em edições originais.
Essa precocidade e amplitude de conhecimentos fizeram com que o autor de Casa Grande & Senzala se sentisse no direito de se mostrar contraditório. Na década de 30 foi acusado pela polícia de ser comunista. E, nas décadas de 60 e 70, criticado pelos intelectuais por colaborar com o partido governista e não condenar a censura.
Foi nessa ocasião que Freyre se declarou um “anarquista construtivo, dispensando as bombas e os atentados, à moda de Bertrand Russel e Jean Sorel”.


Quase unanimidade
Já na adolescência Freyre dava aulas de Latim e outras línguas nos colégios em que estudava, ganhando unanimidade nos aplausos, por parte de parentes, professores e colegas.
Unanimidade é o que sempre ocorreu a seu respeito, como estudante, homem público e cientista social. Praticamente não existem movimentos, escolas, grupos de opinião ou quaisquer outras forças contrárias ao seu pensamento, à sua metodologia científica inovadora e ao seu estilo literário original. O escritor e antropólogo é estudado e admirado por pesquisadores e cientistas sociais de todas as correntes políticas, em quase todo o mundo ocidental.
Os cientistas sociais de ideologia contrária à sua raramente se manifestam publicamente contra o escritor. Num estudo recente de sua obra, em âmbito científico, uma pesquisadora chamou-o de “autor e ator”. Sua vaidade pessoal é um dos poucos motivos de crítica que lhe fazem, mas nunca atingindo a sua competência científica.

Consagração
A consagração de Gilberto Freyre aconteceu quando tinha 33 anos, ao publicar Casa Grande & Senzala, livro que alcançou cerca de 30 edições no Brasil e 13 no exterior, em sete idiomas.
“Sobrados e Mocambos”, de 1936, e “Ordem e Progresso”, de 1959, completaram a trilogia sobre a sociedade patriarcal do Brasil. “Jazigos e Covas Rasas”, que não chegou a escrever, seria o quarto volume desse estudo.
A grande originalidade foi a de utilizar como material de pesquisa a vida cotidiana no relacionamento do português com o índio e o escravo africano. Suas fontes eram receitas culinárias, anúncios de jornais, rezas populares, a tradição oral. A partir daí pôde mostrar a formação de uma sociedade agrária, escravocrata e híbrida no Brasil, criando uma nova visão da história da sociedade patriarcal brasileira.
Essa consagração teve um intenso período preparatório. Aos 17 anos Freyre tornou-se bacharel em Ciências e Letras, no Recife; aos 20, bacharel em Arte, por uma universidade do Texas; aos 22, mestre em Ciências Sociais pela Universidade de Columbia, de Nova York.
Foi nessa última universidade que estudou com os melhores sociólogos, filósofos, poetas, economistas e escritores e, principalmente, com o antropólogo alemão Franz Boas (1858-1942), que mudou sua visão, de modo tal a poder criar o método original de Casa Grande & Senzala.
Franz Boas salientou-se pelos rigorosos padrões de crítica empregados, influenciando largamente o desenvolvimento da Antropologia. Com ele Freyre aprendeu a distinguir a diferença entre raça e cultura, separando dos traços de raça os efeitos do ambiente ou da experiência cultural.
Fundamental foi o abandono do Determinismo como orientação do trabalho, também graças à influência de Boas. De acordo com o Determinismo, tudo o que acontece tem uma causa. Para qualquer acontecimento existe um estado anterior relacionado a ele, de tal maneira que não poderia existir sem violar a lei da natureza, sem que exista o acontecimento. Existe aí um dilema filosófico que não pode ser superado.

Contradições
Em 1923 Freyre organizou o I Congresso Brasileiro de Regionalismo, de tendências contrárias à Semana de Arte Moderna de São Paulo, realizada quatro anos antes. A Semana de Arte Moderna procurou abandonar o romantismo nas artes, principalmente na literatura, e diminuir a influência européia na criação artística.
Freyre e Monteiro Lobato foram os dois principais intelectuais que se colocaram em posição contrária à direção dada à Semana de Arte Moderna.
Durante a efervescência política dos anos 30, Freyre escrevia artigos que o identificavam com o espírito oposicionista. Vários desses artigos foram reproduzidos pelos jornais ligados ao Partido Comunista, fato que lhe gerou a acusação, pela polícia política, de pertencer ao setor cultural da Aliança Libertadora Nacional. A ALN era uma frente única de oposição ao Governo Vargas, organizada em nível nacional e integrada por comunistas, socialistas e antifascistas, tendo Luís Carlos Prestes como presidente honorário.
Eleito para a Assembléia Nacional Constituinte em 1945, pela União Democrática Nacional (UDN), Freyre não se envolveu em controvérsias políticas, dedicando-se à redação final da nova Constituição. Em 1949 a Câmara dos Deputados aprovou projeto seu para a criação do Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, transformado em 1980 em fundação, hoje presidida por Fernando de Mello Freyre, filho do pesquisador. A Fundaj transformou-se numa das mais importantes instituições de pesquisa social do país.

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