sexta-feira, 19 de março de 2010


Cântico negro

José Régio


"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces Estendendo-me os braços, e seguros De que seria bom que eu os ouvisse Quando me dizem: "vem por aqui!" Eu olho-os com olhos lassos, (Há, nos olhos meus, ironias e cansaços) E cruzo os braços, E nunca vou por ali... A minha glória é esta: Criar desumanidades! Não acompanhar ninguém. — Que eu vivo com o mesmo sem-vontade Com que rasguei o ventre à minha mãe Não, não vou por aí! Só vou por onde Me levam meus próprios passos... Se ao que busco saber nenhum de vós responde Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!


José Régio, pseudônimo literário de José Maria dos Reis Pereira, nasceu em Vila do Conde em 1901. Licenciado em Letras em Coimbra, ensinou durante mais de 30 anos no Liceu de Portalegre. Foi um dos fundadores da revista "Presença", e o seu principal animador. Romancista, dramaturgo, ensaísta e crítico, foi, no entanto, como poeta. que primeiramente se impôs e a mais larga audiência depois atingiu. Com o livro de estréia — "Poemas de Deus e do Diabo" (1925) — apresentou quase todo o elenco dos temas que viria a desenvolver nas obras posteriores: os conflitos entre Deus e o Homem, o espírito e a carne, o indivíduo e a sociedade, a consciência da frustração de todo o amor humano, o orgulhoso recurso à solidão, a problemática da sinceridade e do logro perante os outros e perante a si mesmos.

Gilberto Freyre


As mangueiras
o telhado velho
o pátio branco
as sombras da tarde cansada
até o fantasma da judia rica
tudo esta à espera do romance começado

um dia sobre os tijolos soltos
a cadeira de balanço será o principal ruído
as mangueiras
o telhado
o pátio
as sombras
o fantasma da moça
tudo ouvirá em silêncio o ruído pequeno."



Gilberto Freyre começou sua vida sob aplausos. Nascido no Recife, em 1900, foi alfabetizado na língua inglesa, para depois aprender o Português. “As Viagens de Gulliver”, do irlandês Jonathan Swift, foi o primeiro livro que leu, naturalmente na versão original inglesa. Seu pai, juiz de Direito e professor, se encarregou de ensinar-lhe o Latim, e Freyre começou a ler autores clássicos no original, como Ovídio, Virgílio e Horácio. O aprendizado do Francês e do Espanhol veio na adolescência, seguido da leitura dos grandes autores desses idiomas, sempre em edições originais.
Essa precocidade e amplitude de conhecimentos fizeram com que o autor de Casa Grande & Senzala se sentisse no direito de se mostrar contraditório. Na década de 30 foi acusado pela polícia de ser comunista. E, nas décadas de 60 e 70, criticado pelos intelectuais por colaborar com o partido governista e não condenar a censura.
Foi nessa ocasião que Freyre se declarou um “anarquista construtivo, dispensando as bombas e os atentados, à moda de Bertrand Russel e Jean Sorel”.


Quase unanimidade
Já na adolescência Freyre dava aulas de Latim e outras línguas nos colégios em que estudava, ganhando unanimidade nos aplausos, por parte de parentes, professores e colegas.
Unanimidade é o que sempre ocorreu a seu respeito, como estudante, homem público e cientista social. Praticamente não existem movimentos, escolas, grupos de opinião ou quaisquer outras forças contrárias ao seu pensamento, à sua metodologia científica inovadora e ao seu estilo literário original. O escritor e antropólogo é estudado e admirado por pesquisadores e cientistas sociais de todas as correntes políticas, em quase todo o mundo ocidental.
Os cientistas sociais de ideologia contrária à sua raramente se manifestam publicamente contra o escritor. Num estudo recente de sua obra, em âmbito científico, uma pesquisadora chamou-o de “autor e ator”. Sua vaidade pessoal é um dos poucos motivos de crítica que lhe fazem, mas nunca atingindo a sua competência científica.

Consagração
A consagração de Gilberto Freyre aconteceu quando tinha 33 anos, ao publicar Casa Grande & Senzala, livro que alcançou cerca de 30 edições no Brasil e 13 no exterior, em sete idiomas.
“Sobrados e Mocambos”, de 1936, e “Ordem e Progresso”, de 1959, completaram a trilogia sobre a sociedade patriarcal do Brasil. “Jazigos e Covas Rasas”, que não chegou a escrever, seria o quarto volume desse estudo.
A grande originalidade foi a de utilizar como material de pesquisa a vida cotidiana no relacionamento do português com o índio e o escravo africano. Suas fontes eram receitas culinárias, anúncios de jornais, rezas populares, a tradição oral. A partir daí pôde mostrar a formação de uma sociedade agrária, escravocrata e híbrida no Brasil, criando uma nova visão da história da sociedade patriarcal brasileira.
Essa consagração teve um intenso período preparatório. Aos 17 anos Freyre tornou-se bacharel em Ciências e Letras, no Recife; aos 20, bacharel em Arte, por uma universidade do Texas; aos 22, mestre em Ciências Sociais pela Universidade de Columbia, de Nova York.
Foi nessa última universidade que estudou com os melhores sociólogos, filósofos, poetas, economistas e escritores e, principalmente, com o antropólogo alemão Franz Boas (1858-1942), que mudou sua visão, de modo tal a poder criar o método original de Casa Grande & Senzala.
Franz Boas salientou-se pelos rigorosos padrões de crítica empregados, influenciando largamente o desenvolvimento da Antropologia. Com ele Freyre aprendeu a distinguir a diferença entre raça e cultura, separando dos traços de raça os efeitos do ambiente ou da experiência cultural.
Fundamental foi o abandono do Determinismo como orientação do trabalho, também graças à influência de Boas. De acordo com o Determinismo, tudo o que acontece tem uma causa. Para qualquer acontecimento existe um estado anterior relacionado a ele, de tal maneira que não poderia existir sem violar a lei da natureza, sem que exista o acontecimento. Existe aí um dilema filosófico que não pode ser superado.

Contradições
Em 1923 Freyre organizou o I Congresso Brasileiro de Regionalismo, de tendências contrárias à Semana de Arte Moderna de São Paulo, realizada quatro anos antes. A Semana de Arte Moderna procurou abandonar o romantismo nas artes, principalmente na literatura, e diminuir a influência européia na criação artística.
Freyre e Monteiro Lobato foram os dois principais intelectuais que se colocaram em posição contrária à direção dada à Semana de Arte Moderna.
Durante a efervescência política dos anos 30, Freyre escrevia artigos que o identificavam com o espírito oposicionista. Vários desses artigos foram reproduzidos pelos jornais ligados ao Partido Comunista, fato que lhe gerou a acusação, pela polícia política, de pertencer ao setor cultural da Aliança Libertadora Nacional. A ALN era uma frente única de oposição ao Governo Vargas, organizada em nível nacional e integrada por comunistas, socialistas e antifascistas, tendo Luís Carlos Prestes como presidente honorário.
Eleito para a Assembléia Nacional Constituinte em 1945, pela União Democrática Nacional (UDN), Freyre não se envolveu em controvérsias políticas, dedicando-se à redação final da nova Constituição. Em 1949 a Câmara dos Deputados aprovou projeto seu para a criação do Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, transformado em 1980 em fundação, hoje presidida por Fernando de Mello Freyre, filho do pesquisador. A Fundaj transformou-se numa das mais importantes instituições de pesquisa social do país.

terça-feira, 2 de março de 2010

Casa Grande e Senzala -- Gilberto Freyre


" Todo brasileiro traz na alma e no corpo a sombra do indígena ou do negro."

Mestre Gilberto Freyre... Escritor pernambucano, morador de Apipucos, no Recife. Era descendente de senhores de engenho. Conhecia bem os casarões...


Em 1933, após exaustiva pesquisa em arquivos nacionais e estrangeiros, Gilberto Freyre publica Casa-Grande & Senzala, um livro que revoluciona os estudos no Brasil, tanto pela novidade dos conceitos quanto pela qualidade literária.

Gilberto Freyre foi buscar nos diários dos senhores de engenho e na vida pessoal de seus próprios antepassados a história do homem brasileiro. As plantações de cana em Pernambuco eram o cenário das relações íntimas e do cruzamento das três raças: índios, africanos e portugueses.

Em Casa-Grande & Senzala, o escritor exprime claramente o seu pensamento. Ele diz: "o que houve no Brasil foi a degradação das raças atrasadas pelo domínio da adiantada" . Os índios foram submetidos ao cativeiro e à prostituição. A relação entre brancos e mulheres de cor foi a de vencedores e vencidos.

Havia tempos Gilberto Freyre procurava escrever sobre o ser brasileiro. Pressões políticas e familiares o levaram, entre 1930 e 1932, a viver o que chamou de "a aventura do exílio". Partiu para a Bahia e pesquisou as coleções do Museu Afro-Brasileiro Nina Rodrigues e a arte das negras quituteiras na decoração de bolos e tabuleiros. Observou que a culinária baiana era neta da velha cozinha das casas-grandes. Depois da Bahia partiu para a África e Portugal. Iniciou em Lisboa as pesquisas e estudos que sedimentariam o livro Casa-Grande & Senzala. De Portugal foi, como professor visitante, para a Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, onde viajou pelo Sul e pôde constatar a existência, durante a colonização americana, do mesmo tipo de regime patriarcal encontrado no nordeste brasileiro.

Durante o período de estudos na universidade americana, o escritor elaborou uma linha de pensamento que diferenciava raça e cultura, separava herança cultural de herança étnica; trabalhou o conceito antropológico de cultura como o conjunto dos costumes, hábitos e crenças do povo brasileiro.

"Gilberto Freyre diz que Franz Boas foi a figura de mestre que nele ficou maior impressão, porque foi com Franz Boas que ele aprendeu a distinguir raça de cultura, e nessa distinção ele se baseou para escrever Casa-Grande & Senzala. Agora, o conceito de antropologia de Freyre era muito mais amplo, ele partiu para uma interpretação global do povo brasileiro. É uma história ao mesmo tempo econômica, religiosa, folclórica, sociológica."
Édson Nery da Fonseca, historiador (Olinda, PE)

Leonardo Boff


Leonardo Boff nasceu em Concórdia, Santa Catarina, aos 14 de dezembro de 1938. É neto de imigrantes italianos da região do Veneto, vindos para o Rio Grande do Sul no final do século XIX.Fez seus estudos primários e secundários em Concórdia-SC, Rio Negro-PR e Agudos-SP. Cursou Filosofia em Curitiba-PR e Teologia em Petrópolis-RJ. Doutorou-se em Teologia e Filosofia na Universidade de Munique-Alemanha, em 1970. Ingressou na Ordem dos Frades Menores, franciscanos, em 1959.

Durante 22 anos, foi professor de Teologia Sistemática e Ecumênica em Petrópolis, no Instituto Teológico Franciscano. Professor de Teologia e Espiritualidade em vários centros de estudo e universidades no Brasil e no exterior, além de professor-visitante nas universidades de Lisboa (Portugal), Salamanca (Espanha), Harvard (EUA), Basel (Suíça) e Heidelberg (Alemanha).

Esteve presente nos inícios da reflexão que procura articular o discurso indignado frente à miséria e à marginalização com o discurso promissor da fé cristã gênese da conhecida Teologia da Libertação. Foi sempre um ardoroso defensor da causa dos Direitos Humanos, tendo ajudado a formular uma nova perspectiva dos Direitos Humanos a partir da América Latina, com "Direitos à Vida e aos meios de mantê-la com dignidade".

É doutor honoris causa em Política pela universidade de Turim (Itália) e em Teologia pela universidade de Lund (Suécia), tendo ainda sido agraciado com vários prêmios no Brasil e no exterior, por causa de sua luta em favor dos fracos, dos oprimidos e marginalizados e dos Direitos Humanos.

De 1970 a 1985, participou do conselho editorial da Editora Vozes. Neste período, fez parte da coordenação da publicação da coleção "Teologia e Libertação" e da edição das obras completas de C. G. Jung. Foi redator da Revista Eclesiástica Brasileira (1970-1984), da Revista de Cultura Vozes (1984-1992) e da Revista Internacional Concilium (1970-1995).

Em 1984, em razão de suas teses ligadas à Teologia da Libertação, apresentadas no livro "Igreja: Carisma e Poder", foi submetido a um processo pela Sagrada Congregação para a Defesa da Fé , ex Santo Ofício, no Vaticano. Em 1985, foi condenado a um ano de "silêncio obsequioso" e deposto de todas as suas funções editoriais e de magistério no campo religioso. Dada a pressão mundial sobre o Vaticano, a pena foi suspensa em 1986, podendo retomar algumas de suas atividades.

Em 1992, sendo de novo ameaçado com uma segunda punição pelas autoridades de Roma, renunciou às suas atividades de padre e se auto-promoveu ao estado leigo. "Mudou de trincheira para continuar a mesma luta": continua como teólogo da libertação, escritor, professor e conferencista nos mais diferentes auditórios do Brasil e do estrangeiros, assessor de movimentos sociais de cunho popular libertador, como o Movimento dos Sem Terra e as comunidades eclesiais de base (CEB's), entre outros.

Em 1993 prestou concurso e foi aprovado como professor de Ética, Filosofia da Religião e Ecologia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Em 8 de Dezembro de 2001 foi agraciado com o premio nobel alternativo em Estocolmo (Right Livelihood Award).

Atualmente vive no Jardim Araras, região campestre ecológica do município de Petrópolis-RJ e compartilha vida e sonhos com a educadora/lutadora pelos Direitos a partir de um novo paradigma ecológico, Marcia Maria Monteiro de Miranda. Tornou-se assim ‘pai por afinidade’ de uma filha e cinco filhos compartilhando as alegrias e dores da maternidade/paternidade responsável. Vive, acompanha e re-cria o desabrochar da vida nos "netos" Marina , Eduardo, Maira, Luca e Yuri.

É autor de mais de 60 livros nas áreas de Teologia, Ecologia, Espiritualidade, Filosofia, Antropologia e Mística. A maioria de sua obra está traduzida nos principais idiomas modernos.

Genebaldo Freyre Dias


Bacharel (BD)) , Mestre (M.Sc) e Doutor (PhD) em Ecologia, UnB, Brasília, DF

Genebaldo Freire Dias é Doutor em Ecologia pela Universidade de Brasília. Tem trabalhado e produzido, de forma muito profícua, na temática ambiental, especialmente no campo da Educação, firmando-se como uma referência nacional, sustentada por seu extenso currículo. Atualmente, é professor e pesquisador da Universidade Católica de Brasília onde vem desenvolvendo um importante projeto, que é relatado neste livro como uma experiência institucional relevante. Exerceu vários cargos de direção em instituições relacionadas com esta problemática, tanto em âmbito local quanto nacional. É também consultor da Organização Mundial de Saúde (OMS) das Nações Unidas (ONU) e do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA), além de contribuir à evolução do debate sobre as questões ambientais no âmbito de diversos órgãos nacionais e internacionais.

Roberto Crema


Psicólogo e Antropólogo do Colégio Internacional dos Terapeutas - CIT, analista transacional didata, criador do enfoque da síntese transacional, consultor em abordagem transdisciplinar holística e ecologia do Ser. Foi o coordenador geral do I Congresso Holístico Internacional (1987) e implementador da Formação Holística de Base, no Brasil (1989). Membro honorário da Associação Luso Brasileira de Transpessoal - ALUBRAT, Fellowship da Findhorn Foundation - Escócia, coordenador do CIT-Brasil, Reitor da Rede Unipaz. Autor de diversos livros.


Novo milénio, novo olhar

Mudar o mundo,
é mudar o olhar.
Do olhar que estreita e subtrai,
para o olhar que amplia e engrandece.
Do olhar que julga e condena,
para o olhar que compreende e perdoa.
Do olhar que teme e se esquiva,
para o olhar que confia e atreve.
Do olhar que separa e exclui,
para o olhar que acolhe e religa.
Todos os olhares
num só Olhar.
O olhar da inocência
e o olhar da vigilância.
O olhar da justiça
e o olhar de misericórdia.
Todos os olhares
num só Olhar.
Olhar de criança que brinca,
na Primavera,
Olhar do adulto que labora,
no verão,
Olhar maduro que oferta,
no Outono,
Olhar de prece e de silêncio,
no Inverno.
O olhar de quem nasce,
o olhar de quem passa,
o olhar de quem parte.
Olhares da existência no Olhar de Essência.
Todos os olhares
num só Olhar.
Dançar de roda na órbita do olhar,
dançar de guerreiro em volta da fogueira do olhar,
dançar de Ser no olhar do Amor.
Dançar e brincar de olhar.
Olhar o porvir,
do instante que nasce,
no coração palpitante
da transmutação.
Viva o novo olhar!
Olhe a vida de novo!
Novo olhar, novo viver!
Mudar o mundo
É mudar o olhar.
É alto olhar,
Altar do olhar.
É ousar viver,
É viver no ousar.
É amar viver,
É viver para amar.
Só então partir,
Para o Grande Olhar.
Todos os olhares
num só Olhar.
Num mesmo Olhar.
Supremo Olhar.
Olhar.

Michèle Sato


Sou paulistana, da gema do Butantã, onde nasci, cresci e aprendi a sonhar. De giro no mundo, desci pra Cuiabá, de onde os pés enraizaram e criaram frutos. Queria ser chão para que as árvores crescessem em mim! Casada, com 2 filhos mestiços [os mais lindos do mundo], sou professora e pesquisadora de educação ambiental na Universidade Federal de Mato Grosso [UFMT], mas também sou colaboradora dos programas de pós-graduação das universidades de São Carlos [UFSCar, SP], Rio Grande [FURG, RS] e também na Espanha, onde deliro em castelos célticos.

Adoro a literatura surrealista, e por isso, sou movida pelas palavras eróticas ou desconexas, pela gramática inventada ou daquelas expressões que enlouquecem os verbos. Adoro Manoel de Barros! Mas também gosto de Orides Fontela, Floriano Martins e Oswald de Andrade, entre outros bons nomes brasileiros. Adoro os internacionais, Charles Baudelaire, Paul Valèry, Arthur Rimbaud ou Octavio Paz, entre muitos outros.

Sou uma brasileira que luta pela construção deste país, que morou muito tempo fora do Brasil e tive herança zen budista em função de meus pais japoneses, ambos importados. Deles, creio que a disciplina é uma marca cultural muito forte em minha vida, principalmente o exercício de agradecer. Mas diferentemente da maioria dos descendentes nissei, eu sou muito falante, despojada, adoro brincadeiras e socialmente muito divertida. É um perfil brasileiro, mas que contagiou meu pai e que me influenciou muito, porque ele foi um grande herói na minha vida. Para ele, o melhor lugar do mundo chamava-se Brasil. Concordo com ele, e por isso, canalizo o seu legado japonês à construção da cidadania brasileira.




''E talvez a vida seja como uma flor perfumada. Nossa luta pode soar como a bela colorida flor, e fingimos que o cansaço se esconde como o perfume da flor. O olhar pode fixar a flor, mas a invisibilidade do perfume é completamente desmascarada nos sentidos de um cego...''

Antonio Gramsci


Nascido no norte da ilha mediterrânea da Sardenha , numa aldeia denominada Villa Cisper. Era o quarto dos sete filhos de Francesco Gramsci, um homem que tinha vários problemas com a polícia. Sua família passou por diversos comunes da Sardenha até finalmente instalar-se em Ghilarza .

Tendo sido um bom estudante, Gramsci venceu um prêmio que lhe permitiu estudar literatura na Universitá di Torino . A cidade de Torino, à época, passava por um rápido processo de industrialização , com as fábricas da Fiat e Lancia recrutando trabalhadores de várias regiões da Itália. Os sindicatos se fortaleceram e começaram a surgir conflitos sociais-trabalhistas. Gramsci frequentou círculos comunistas e associou-se com imigrantes sardos.

Sua situação financeira, no entanto, não era boa. As dificuldades materiais moldaram sua visão do mundo e tiveram grande peso na sua decisão de filiar-se ao Partido Socialista Italiano.

Gramsci, em Torino, tornou-se jornalista. Seus escritos eram basicamente publicados em jornais de esquerda como Avanti (órgão oficial do Partido Socialista). Sua prosa e a erística de suas observações lhe proporcionaram fama.

Sendo escritor de teoria política, Gramsci produziu muito como editor de diversos jornais comunistas na Itália. Entre estes, ele fundou juntamente com Palmiro Togliatti em 1919 L'Ordine Nuovo, e contribuiu para La Città Futura.

O grupo que se reuniu em torno de L'Ordine Nuovo aliou-se com Armadeo Bordiga e a ampla facção Comunista Abstencionista dentro do Partido Socialista. Isto levou à organização do Partido Comunista Italiano (PCI) em 21 de Janeiro de1921. Gramsci viria a ser um dos líderes do partido desde sua fundação, porém subordinado a Bordiga até que este perdeu a liderança em 1924. Suas teses foram adotadas pelo PCI no congresso que o partido realizou em 1926.

Em1922 Gramsci foi à Rússia representando o partido, e lá conheceu sua esposa, Giulia Schucht, uma jovem violinista com a qual teve dois filhos.

Esta missão na Rússia coincidiu com o advento do facismo na Itália, e Gramsci - que a princípio havia considerado o fascismo apenas como uma forma a mais de reação da direita - retornou com instruções da Internacional no sentido de incentivar a união dos partidos de esquerda contra o fascismo. Uma frente deste tipo teria idealmente o PCI como centro, o que permitiria aos comunistas influenciarem - e eventualmente conseguirem a hegemonia - das forças de esquerda, até então centradas em torno do Partido Socialista Italiano, que tinha uma certa tradição na Itália, enquanto o Partido Comunista parecia relativamente jovem e radical. Esta proposta encontrou resistências quanto a sua implementação, inclusive dos comunistas, que acreditavam que a Frente Única colocaria o jovem PCI numa posição subordinada ao PSI, do qual havia-se desligado. Outros, inversamente, acreditavam que uma coalizão capitaneada pelos comunistas acabasse ficando distante dos termos predominantes do debate político, o que levaria ao risco do isolamento da Esquerda.

Em 1924, Gramsci foi eleito deputado pelo Veneto. Ele começou a organizar o lançamento do jornal oficial do partido, denominado L'Unità, vivendo em Roma enquanto sua família permanecia em Moscou.

Em 1926, as manobras de Stalin dentro do Partido Bolchevista levaram Gramsci a escrever uma carta ao Komintern, na qual ele deplorava os erros políticos da oposição de Esquerda (dirigida por Lev Davidovistch Bronstein e Zinoviev) no Partido Comunista Russo, porém apelava ao grupo dirigente de Stalin para que não expulsasse os opositores do Partido. Togliatti, que estava em Moscou como representante do PCI, recebeu a carta e a abriu, leu e decidiu não entregá-la ao destinatário. Este fato deu início a um complicado conflito entre Gramsci e Togliatti que nunca chegou a ser completamente resolvido. Togliatti, posteriormente, divulgaria a obra de Gramsci após sua morte, mas evitou cuidadosamente qualquer menção às suas simpatias por Trotsky.

Em 8 de Novembro de 1926, a polícia italiana prendeu Gramsci e o levou a prisão romana Regina Coeli. Foi condenado a 5 anos de confinamento (na remota ilha de Ustica); no ano seguinte ele foi condenado a vinte anos de prisão (em Turi, próximo a Bari, na Puglia). Sua saúde neste momento começava a declinar sensivelmente. Em 1932, um projeto para a troca de prisioneiros políticos entre Itália e União Soviética, que poderia dar a liberdade ao Gramsci, falhou. Em 1934 sua saúde estava seriamente abalada e ele recebeu a liberdade condicional, após ter passado por alguns hospitais em Civitavecchia, Formia e Roma. Gramsci faleceu aos 46 anos, pouco tempo depois de ter sido libertado.